quinta-feira, 17 de julho de 2008

AVISO

CAROS,
APROVEITANDO QUE AS REFORMAS TRABALHISTAS AINDA NÃO ENGOLIRAM DE VEZ O NOSSO DIREITO NATURAL E MORAL AO DESCANSO, INFORMO QUE ESTOU ENTRANDO EM FÉRIAS. PARTO PARA A VIA LÁCTEA, DE BUÑUEL, E ESTAREI SEM ACESSO À INTERNET... DE QUALQUER FORMA, VOLTAREI A POSTAR NO BLOG NO DIA 4 DE AGOSTO.
UM ABRAÇO!

terça-feira, 15 de julho de 2008

Projeção interrompida

O peito acossado, o coração debandado: é a tirania do belo. Já não posso mais. Não suporto mais amar ininterruptamente a beleza de Rita Hayworth.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

De Glauber Rocha


"Uma obra de arte revolucionária, um filme do Cinema Novo, deveria não só agir de modo imediatamente político, mas também promover a reflexão filosófica criando uma estética do eterno movimento humano em direção à unidade cósmica"

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A carta-radical de Bertolucci


A Mostra Internacional de Veneza em agosto de 1968 foi um verdadeiro campo de batalha da classe cinematográfica italiana (e internacional), intelectuais, estudantes, artistas e jornalistas contra a entidade Biennale d’Arte e o então diretor da Mostra, Luigi Chiarini. O Festival de Cannes havia sido interrompido em maio em apoio à greve geral de trabalhadores e estudantes. Protestos, greves e contestações aconteciam na Europa e no mundo. Em Veneza, o denominador comum das declarações dos sindicatos e associações de cineastas e produtores, órgãos de jornalistas e instâncias representativas de estudantes era a reforma moral da Mostra de Veneza. Ou seja, a base dos protestos consistia no repúdio ao aspecto comercial-empreendedor do evento ( o oportunismo no desenvolvimento do turismo da cidade, o festival como ponto de encontro do capital financeiro internacional para o qual o aspecto cultural é apenas um álibi, o luxo do evento, etc). Além disso, as reivindicações assinalavam para a revisão do estatuto da Mostra (datada ainda dos anos do fascismo), para a superação do caráter litúrgico de premiação (ou seja, a ideologia mercantilista da competição) e para o desenvolvimento de uma linha cultural de vanguarda, de tutela e promoção ampla e efetiva do cinema de autor. Dentre tantas medidas políticas adotadas pelos manifestantes, o boicote de cineastas ao envio de filmes ao festival foi uma das mais polêmicas.

Diversas foram as ações, os momentos e as declarações neste período. Para hoje decidi postar no blog a carta que Bernardo Bertolucci publicou no jornal “L’Italia”, em 24 de agosto de 1968. Neste ano o seu filme “Partner” havia sido selecionado para ser exibido na Mostra. Uma texto franco e hostil, que representou a cisão do cineasta com o movimento cinematográfico italiano de então. Ao lê-la se entende que não é a toa que Bertolucci não seja tão admirado pelo público italiano, ainda que seja um ídolo para muita gente no exterior...

“Eu sempre considerei suicida e autopunitivo o fervor com que muitos de meus colegas decidiram contestar a Mostra impedindo a projeção de filmes. Impedir a projeção a Veneza sempre me pareceu um gesto grave, como queimar livros nas praças. Agora que a ANAC (Associazione Nazionale Autori Cinematografici) com o seu último comunicado alargou o horizonte dos seus objetivos, redimensionando aquele representado somente da Mostra de Veneza, agora que a ANAC fez da Mostra a plataforma para uma luta muito mais vasta, agora me declaro solidário com a ANAC. Não sei como reagirá Chiarini: que ele aceite ou não é somente graças à inteligência e à paixão de sua gestão que permitiu aos autores programarem uma ocupação de trabalho dentro do festival, em que poderão debater os seus problemas sem um clima policiesco. No mesmo momento, junto com o meu filme (Partner), entrego à ANAC a minha demissão enquanto sócio da Associação. As razões da minha demissão são muitas, mas posso resumi-las em duas:

1) O cinema italiano no seu todo é o mais qualquer coisa do mundo: não o amo, ao contrário, detesto-o. Por isso não posso fazer parte de uma associação que o consagra e lhe organiza as pouquíssimas qualidades e todos os defeitos;

2) Odeio com todas as forças qualquer forma associativa de tipo corporativista. Por que o cinema italiano, do qual eu também faço parte, junto com as instituições e com as estruturas não começa a contestar a si mesmo, isto é, o seu profundo provinciano-naturalismo pequeno burguês?”


(Declaração de Bernardo Bertolucci publicada no jornal “L’Italia”, 24 de agosto de 1968).

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Amor de passagem


“Calma aí! Tem uma senhora aqui!”. “Oh pessoal, cuidado com a velhinha!”. Já passava da uma da manhã e o ônibus, abarrotado, parecia estar cumprindo seu rush retardatário. Jovens retornavam de bares, turistas, do passeio, torcedores desanimados comentavam a derrota do time no campeonato continental. Em cada parada, novos passageiros forçavam a entrada, exaustos de haver esperado a ocasião de poder regressar a casa. Em cada novo ponto de ônibus, o discurso coletivo se repetia dentro do veículo: “Cuidado com a senhora!”, “Atenção aqui amigo, ôôu!”, e uma voz sufocadamente bem-humorada intervinha: “Hei gente, estou aqui embaixo, me vêem?”. No meio da multidão motorizada uma velhinha de 78 anos se tornou a protagonista de todos os afetos transitórios. Cabelos brancos presos com fivela, vestido florido e bolsa à tira colo. De tão pequena não atingia sequer a altura do meu busto. O ônibus ia apressado porque o motorista também havia esperado o dia todo para voltar a casa. Naquele anseio coletivo de retorno ao lar, um tombava sobre o outro, e nas curvas improvisadas todos pendiam em coreografia para o mesmo lado. E a velhinha ali embaixo, no centro do ônibus, todo o tempo a falar e rir em plongée. Fez-me recordar a minha avó, na fala e no gesto, e no regozijo tímido de se tornar o núcleo das atenções. A ternura me veio como picada de borrachudo e rapidamente se espalhou pelo corpo numa titilação de puerilidade. Durante todo o trajeto conversamos e nos divertimos, trocamos olhares e cuidados com cumplicidade familiar. Quando chegou o momento de eu descer, experimentei a tristeza de despedir-me de uma avó desconhecida, mas conhecida. Já na calçada, olhei o ônibus que se afastava e me arrependi de não ter pedido à velhinha o seu número de telefone, ou mesmo de não lhe ter perguntado sobre netos e as visitas de domingo. Enquanto o ônibus partia, percebi que já sentia saudades daquela senhora e entendi que o amor de passagem me transportou a outros viveres nostálgicos. Dentro do ônibus vi partir pela segunda vez a minha avó...

(Imagem: Women Running on the Beach. Pablo Picasso, 1924)