No livro, Piccolo explica esse seu vício de colecionar anotações sobre métodos de escritores famosos relatados em entrevistas ou compilados em livros teóricos. Desde pequeno ele queria ser escritor e durante a adolescência a intenção de juntar as centenas de conceitos sobre o ofício encontraria eco na fase adulta, momento em que desenvolveria a sua própria técnica artística.
Recordando-me desta conduta de Piccolo decidi postar no blog reflexões de alguns renomados cineastas sobre a sétima arte. No ano passado, a editora italiana Castoro publicou “Lezioni di cinema”, a compilação transcrita das lições de cinema do Festival de Cannes realizadas por alguns mestres do cinema mundial entre 1991 e 2006. Não sei se o livro também foi publicado no Brasil (fiz uma rápida pesquisa na internet e não encontrei nada). De qualquer forma advogo: este livro merece ser lido.
Enfim, confesso: assim como Piccolo eu também coleciono reflexões. Mas de cineastas que admiro. Isto por razões várias que não somente a busca por uma metodologia própria, mas, e principalmente, a possibilidade de haver instrumentos sólidos para interpretar e compreender melhor as suas obras. Abaixo, uma rápida passagem pelas lições de cinema de Cannes...
O diretor deve consentir-se solitário. Retirar-se na sua solidão como quando Akira Kurosawa prepara um enquadramento. Esta dimensão de solidão da criação é uma coisa muito difícil de ser aceita no cinema.
FRANCESCO ROSI
Em um filme que classificadamente se divide em três etapas (escritura, filmagem e montagem), prefiro aquilo que existe antes da escritura, aquele estado em que se procura o início de um filme, em que se viaja para encontrar uma paisagem na qual se sabe que é possível fazer o filme... Ainda não existe nada, existem elementos fragmentados, pequenas estórias que foram vistas, ou uma paisagem da qual nos recordamos, ou um ator com quem temos vontade de trabalhar. E depois, o resto, tudo aquilo que vem depois, principalmente a escritura, me dão medo e não me agradam. Eu não gosto nem mesmo das filmagens, são muito angustiantes. A montagem, ao contrário, é magnífica. Mas entre a montagem final e esta liberdade do ponto de partida no qual ainda não existe nada, eu não me sinto bem.
WIM WENDERS
Procuro sempre a música para o filme antes de começarem as filmagens para que ela me sirva de referência. A música é constantemente presente no meu espírito e dessa forma é possível construir o ritmo de um filme de modo que Chris Doyle (diretor de fotografia) saiba como fazer dançar a câmera. Trabalhar com Chris Doyle é como trabalhar com um músico de jazz. Não se fala de iluminação, não se fala de ângulo do enquadramento, porque trabalhamos juntos há mais de dez anos e nos conhecemos à perfeição. A ele basta conhecer o ritmo e a cor do filme – não o vermelho ou o azul, mas a sensação que proporciona o filme, a sua emoção.
WONG KAR-WAI