ou Da experiência do amor na terceira idade
Em São Paulo o meu vizinho de casa sofre de amor aos setenta e cinco anos de idade. Aposentado dos correios, tem um filho no exterior e a neta militar. Uma vida sistemada, a idade em que se pensa que tudo já foi visto, revisto e carimbado. Até que a sua rotina foi violentamente interrompida com a fuga da esposa. Quarenta e cinco anos de matrimônio agora são mil espadas de gelo que lhe perfuram o peito. Em poucos meses a mulher perdeu tudo no bingo: dinheiro, jóias e o carro com o qual andavam à missa aos domingos na igreja do Brás.
A velhinha se apaixonou por um homem viciado no jogo como ela. Fujiram juntos para tentar outras vitórias. O velhinho restou.
Pontualmente, na hora do jantar, a sua solidão é forasteira. Pela janela do meu quarto entra galopante o som do lamento das canções de amor que o senhor escuta ao máximo volume. Sou convidada a participar do seu luto. Chitãozinho e Xororó. Zezé de Camargo e Luciano. A música popular adolorada atravessa as janelas das casas do quarteirão enquanto o homem se apaga com doses de cachaça mineira.
Aos setenta e cinco anos de idade o coração ainda é território estrangeiro.
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Na cidade de Trapani, na Sicilia, uma senhora de oitenta anos lava os pratos do jantar. É pequenina, sorridente, corcunda e os cabelos brancos muito bem penteados. O negro do vestido é a tradição católica siciliana que encontra os pontos de brilho nos longos colares de ouro com a imagem de Jesus que se estendem sobre os seios.
No forno de pedra da sua casa o filho realiza as obras de arte da culinária siciliana com tomates, aliche, azeitonas, calabresa, alho, berinjela, abobrinha - pizzas rústicas para um amplo grupo de amigos e parentes. A pizzada siciliana tradicionalmente calorosa, acolhedora, abundante... as portas abertas recebem o perfume do mar.
Observando a pequena senhora curvada sobre a pia da cozinha me ofereço para ajudá-la. Com um sorriso, gentilmente rejeita a minha compaixão. São mais de sessenta anos de matrimônio, muita disposição e bom-humor. Senhorita, sabe por quê vocè me vê assim alegre e cheia de energia? Porque estou apaixonada. Aquele ali é o meu marido, vê? Doze anos de namoro e cinquenta de casamento.
O senhor se aproxima, curioso. Quiçá que coisa a mulher está contando à moça estrangeira? A timidez lhe colore o rosto quando a velhinha se agarra forte à sua mão mostrando-me as três alianças: casamento, bodas de prata e bodas de ouro.
Daqui à pouco quando vamos para a cama nos beijamos e cada um fecha os olhos e faz o seu sonho. Quando acordamos, nos beijamos e cada um recomeça um outro dia. Sabe por quê sou assim contente? Porque sou uma mulher apaixonada.
E diante da declaração de amor da esposa, o senhor se avermelha...
2 comentários:
lindo, na dor e na alegria.
será que vai restar algo assim pra nossa geração?
(a gente nem sabe o que é sofrer)
beijos, mulher!
Amandinha!!!
Legal te ver por aqui:-)
Pois é, l'amore. Boa pergunta a sua. Posso te dizer que estes dias conversava com um amigo, e descobrimos que ainda somos oitocentescos, ainda lá, entre Werther e Anna Karenina...
E vc?
Aquele abraço pra ti!
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