quinta-feira, 24 de abril de 2008

Olé toro!


Tambores, clarinetes, trompetes. A banda começa a tocar, inaugurando o desfile dos personagens. Cada função uma fantasia diversa: estampas, tecidos, chapéus, fitas de pano, bastões e lanças. Tudo muito colorido, folclórico, uma mistura de comédia dell’arte com arte circense em um contexto de desfile oficial-nacional. Todos caminham em círculo: a Plaza de Toros em Madrid tem a forma do Coliseu Romano

Quando o touro entra na arena parece um cachorro correndo atrás da bola. Ele procura os panos rosa choque que os senhores enfeitados lhe exibem de diversos pontos e corre atrás para pegar. Que estilo, que porte, esbelto, suntuoso. Às vezes marchando, às vezes correndo. Olha para um lado. Olha para o outro

- Olé toro!

Um homem vem vindo cavalgando – pocotó, pocotó, pocotó. O cavalo embalado em espumas, panos bordados e acessórios dourados para se proteger dos chifres do rival

O cavaleiro enfia a lança no cupim do touro

- Olé toro!

E mais uma!

- Olé toro!

O touro fica parado tentando entender as regras do jogo

Vem vindo o homem com a roupa bufa de estampa xadrez! Vem vindo fazendo graça e malabarismos com bastões coloridos cheios de fitas. Parece o bobo da corte que tanto humor trouxe à nobreza nos tempos da monarquia. Ele se aproxima por detrás do touro distraído e zás! Joga-lhe sobre as costas os bastões cujos ganchos fincados fazem o animal sangrar

- Olé toro!

As fitas coloridas dos bastões encravados balançam com o vento: azul, vermelho, amarelo, branco. O touro pensativo parece ainda não ter entendido que a dinâmica do duelo é desigual

E vem vindo o toureiro! O toureiro em sua elegância principesca!

- Que belo homem, magro, ereto em seu traje todo bordado de dourado. Vem caminhando... como se vira, como finaliza o passo.... o movimento... Tem a postura de um bailarino este toureiro

O pano vermelho! O touro vermelho: mudou de cor!

- ¿Es rabia, señor?
- No hija, es dolor...

O sangue do touro mancha a arena enquanto o toureiro lhe balança o pano - os vermelhos oscilantes se misturam. A tourada é ruiva! A tourada é ruiva!

- Olé toro!

Os dois dançam na Plaza de Toros de las Ventas em Madrid

O bicho parece estar cansado, renunciando a tentativa de entender as normas do combate

- O touro está desistindo! O touro está desistindo!

O bailarino agita novamente o pano vermelho, e na outra mão segura a lança prateada, brilhante. E tudo está brilhando, girando, zumbindo na cabeça do touro: o sol, o vento, a areia e a espada do cavaleiro medieval

- Venga toro!

O último passo do baile termina com a lança que atravessa o animal: das costas atinge o coração. Silêncio. Ele fica parado, ponderando tristemente, com cara de cachorro que tenta entender a dor de barriga. E então gira, desgira, rodopia e cai, vencido

- Olé toro!

O bailarino se curva para agradecer o aplauso tímido do homem do século vinte e um. O touro permanece curvado no chão e faz pouco caso aos agradecimentos. Dizem que eles são assim mesmo, arrogantes, birrentos, e não sabem lidar com derrotas...

A banda recomeça a sonar. Tambores, clarinetes e trompetes. Pocotó, pocotó, pocotó. Os cavalos arrastam o corpo amarrado, enquanto os homens de verde cobrem com areia o vermelho pelo chão. Como um carimbo o desenho do bicho caído ainda fica gravado na arena

- ¿Qué se passa, hija?¿Estás a llorar?
- Estoy intentando olvidarme, señor...

Na tourada que vi em Madrid espectadores se levantaram antes do fim. A maioria era turista e de espanhóis mesmo, só os senhores mais tradicionais. O Olé atravessou solitário o Coliseu Espanhol lembrando-nos de que o homem se transformou e que a tradição das “corridas” já tem prazo de validade

Estou tentando esquecer a tourada que vi em Madrid
O touro é um cachorro grande com chifres que corre atrás do pano pensando que é uma bola

Um comentário:

Drika Nery disse...

Spiegazione inutile

Non è triste la poesia
non è triste il poeta
triste è il mondo
è il mondo che è triste

de Vera Lúcia Oliveira.
poeta brasuca que vive aí.

Grande beijo, Ná.