domingo, 13 de abril de 2008

Sobre cinema e porcos

Se verdade ou imitação
Fato é que o cinema me desestabiliza
E o exercício analítico-racional tão indispensável ao meu ofício
Existe em mim como aptidão, ternura, mas também necessidade - a necessidade de me proteger da emoção do cinema

Nas cenas de dor, tortura e morte
Preciso encontrar na tela os sinais da representação (e, portanto do que é falso naquilo que vejo)
Para que minha angústia seja acalmada
E a experiência de fruição melhor dimensionada
Por quê sofrer, afinal?

Sou assim desde criança: acredito e vivo em diversos níveis de realidade, utilizando como meio e suporte a arte, a política, a filosofia e a religião
E preciso sempre me proteger do suspense e da dor do cinema

Vigiando na tela a respiração do ator
que interpreta a personagem assassinada
Analisando o vermelho artificial do sangue irrompido
Decompondo o organismo formal das cenas de perseguição
Tento desconstruir o cinema para me proteger da emoção do cinema

Fracassei

"A árvore dos tamancos” ,filme de Ermanno Olmi ambientado na região campesina italiana de Bergamo:
Na cena em que as personagens matam um ganso
Consegui ver que ele era feito de pano
Era real no início
E depois virou de pano para que lhe cortassem a cabeça
Mas na cena do porco não consegui ver nada
Ele morreu gritando, desesperado
A faca atravessada no peito
O seu choro não era falso
A cor do sangue não era falsa
A dor do porco não era falsa
E desde que vi o assassinato do porco no filme de Ermanno Olmi
Não consigo comer carne suína
Porque o meu sofrimento também foi real

Um comentário:

kyu disse...

Quanta sensibilidade neste texto sobre o porco. Interessante as dimensoes de realidade. Estou fazendo um trabalho sobre cultura e perspectivas: de uma olhada num autor chamado Homi Bahbah. Tem muita critica, mas tem tambem muita psicanalise, literatura e linguagem. Acho que pode ser interessante para voce tambem.