"Entre as flores de Cacabelos", Anahí Borges, julho de 2008.
*Compostela: é um certificado no qual consta que tu peregrinaste à Santiago por motivos de piedade e devoção. É outorgado na Oficina do Peregrino se tu reúnes as condições para recebê-la. Será uma lembrança da tua peregrinação e do compromisso adquirido com Deus de ajudar a construir seu Reino.
(Definição presente no panfleto de informações ao peregrino distribuído pela Oficina do Peregrino junto à Catedral de Santiago de Compostela)
Tantas são as vivências, reflexões e questionamentos do indivíduo que faz o Caminho de Santiago. Possivelmente em outro texto desenvolverei algumas questões plurais e contraditórias que encontrei no percurso. Por ora, resta o samba que fiz para ironizar a mercantilização explícita deste caminho secular. Lojas de peregrinos que vendem o bastão do peregrino, o chapéu do peregrino, a camiseta do peregrino; restaurantes oferecendo o menu do peregrino. Os albergues lotados, as trilhas lotadas. A galera dos 100 km (para pegar a “Compostela” é obrigatório percorrer o mínimo de 100 km). Enfim, eu escrevi esta letra enquanto a revolta batia no peito feito tambor de escola de samba, e cantava-a para recuperar o alto-astral ameaçado. Pois é... É o ecoturismo mascarado aí gente! Vamos lá, é a galera Compostelense na avenida!
Samba da Compostela*
Compostela
Eu acordo, caminho, durmo pensando nela
O sol nem raiou e eu já estou na janela
Espiando as pessoas se vêm caminhando
Seguindo os rabiscos da flecha amarela
Compostela
Eu levanto apressado e já saio marchando
Quero ser o primeiro do bando andando
Vou de braços abertos pra ti
Compostela
Compostela
Faço dez, faço vinte ou trinta quilômetros
Paro só quando sinto o ronco no estômago
Paro para comer o menu do peregrino
São dez contos
Presuntinho, salame, tortinha e batata
De segundo vem um filezinho na chapa
Tem ainda o vinho e a sobremesa
Compostela
Eu mastigo, eu engulo só pensando nela
Pago logo la cuenta e já saio fudido
Quero recuperar este tempo perdido
Vou correndo
Com o meu mochilão, oito quilos nas costas
Quero ultrapassar a multidão ansiosa
Que veio pro Caminho na última etapa
Só pra ter
O tal certificado de participação
Ter você, Compostela, de Santiagão
Isto aqui é um negócio: peregrinação
E ainda
Se já não bastasse todo este esforço
Eu caminho, eu rezo, eu rogo, eu torço
Encontrar uma vaga para descansar
No albergue
São três contos, caminha e banho quentinho
Dormir cedo de noite e sonhar com anjinho
Para depois acordar só pra ti
Compostela
Compostela
Eu caminho, caminho, só pensando nela
Toda a cara suada
E o pé já com bolha
Minha pele queimada
Este sol tá lascado
E se chove
Isto aqui vira um caos
Água, vento e lama
Mas tu sabes fiel que é fiel não reclama
Vou de braços abertos pra ti
Compostela