sábado, 15 de outubro de 2016

Vida estrangeira

Na vida só tinha o nome de batismo, mais nada. Maria de Lourdes, batizada em Glória e sob a custódia da Santíssima Trindade. Mas a menina não tinha talento para o cristianismo. Gostava de fazer maldades, tinha o hábito de maltratar animais. Assim, depenou um pintinho recém-nascido, cortou com uma tesoura a barriga do gato da vizinha, estourou a cabeça de um cachorro de rua com um paralelepípedo e arremessava diariamente o jabuti da avó contra a parede do jardim, para ver os caquinhos do casco se multiplicarem. Maria de Lourdes cresceu, a avó morreu de morte morrida e a mãe de morte matada: envenenada pela filha que, em seguida, deu-se um tiro no meio da cara. Seu nome continuou uma incógnita e um contrassenso. Só restou sua lápide: Maria de Lourdes, sem assinatura, sem nada, na metade do caminho.   

*Imagem: Vampire, Edvar Munch, 1893.

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