Ele trabalhava na feira com o
pai. A barraca era de queijos e embutidos. Um dia, enquanto embalava o
requeijão no jornal, ele leu a manchete: Fuvest - curso de cinema. Não teve
dúvidas: separou a matéria e prestou o vestibular. Passou e veio para São Paulo.
Só tinha dezoito anos. Na mala trouxe a pequena vida que levava em
Fernandópolis e com ela permaneceu. Na cidade grande, nunca fez amigos, tinha
dificuldades com a vista para o concreto, perdeu um amor para o jogo e começou
a beber, até ser encontrado caído na Catedral da Sé. Depois de um tempo, passou
no concurso público e se dedicou à burocracia estatal até se aposentar. Durante
todos esses anos, a viola caipira era quem lhe fazia companhia e cada vez que a
tocava chorava. Era saudade do pai, que tanto lhe havia batido com fio de
ferro. Era saudade da mãe, que se divorciou do pai para se casar com Jesus
Cristo. Era saudade do córrego que marcou a sua infância e nunca mais o
visitou. Desde quando partiu jamais retornou à cidade natal. Ex-futuro
cineasta, ex-feirante, ex-menino. Ele era um senhor solitário que sentia culpa
pela própria existência. Achava que era feliz e por isso chorava tocando viola.
Ligou o gás e morreu junto a ela no último sábado. Chovia.
*Imagem: Hand II, Egon Schiele, 1912.
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