domingo, 17 de julho de 2016

O homem de sessenta e cinco anos


Ele trabalhava na feira com o pai. A barraca era de queijos e embutidos. Um dia, enquanto embalava o requeijão no jornal, ele leu a manchete: Fuvest - curso de cinema. Não teve dúvidas: separou a matéria e prestou o vestibular. Passou e veio para São Paulo. Só tinha dezoito anos. Na mala trouxe a pequena vida que levava em Fernandópolis e com ela permaneceu. Na cidade grande, nunca fez amigos, tinha dificuldades com a vista para o concreto, perdeu um amor para o jogo e começou a beber, até ser encontrado caído na Catedral da Sé. Depois de um tempo, passou no concurso público e se dedicou à burocracia estatal até se aposentar. Durante todos esses anos, a viola caipira era quem lhe fazia companhia e cada vez que a tocava chorava. Era saudade do pai, que tanto lhe havia batido com fio de ferro. Era saudade da mãe, que se divorciou do pai para se casar com Jesus Cristo. Era saudade do córrego que marcou a sua infância e nunca mais o visitou. Desde quando partiu jamais retornou à cidade natal. Ex-futuro cineasta, ex-feirante, ex-menino. Ele era um senhor solitário que sentia culpa pela própria existência. Achava que era feliz e por isso chorava tocando viola. Ligou o gás e morreu junto a ela no último sábado. Chovia.

*Imagem: Hand II, Egon Schiele, 1912.

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