Ele era ainda um pintinho quando o pai o bicou até quase a morte. Vó foi quem botou os intestinos da criatura pra dentro e costurou tudo com
linha e agulha. Ele sobreviveu. Foi crescendo até virar frangote. Menino. Este
era seu nome. Vivia solto no quintal, longe do pai que reinava austero no
galinheiro. Menino, com seu canto desafinado e comprido, ciscava de lá pra cá, comia
na mão das pessoas e recebia cafuné na cabeça: era dócil e domesticado. Talvez nutrisse
uma profunda gratidão pela sobrevivência que lhe fora conferida graças à vó.
Com o tempo, vó foi ficando doente e morreu. Mãe,
triste até a alma, não suportava mais o canto do Menino pois lhe fazia recordar vó.
Decidiu se desfazer dele. O carroceiro que passava semanalmente na casa para
retirar lixo reciclável manifestou interesse em adota-lo, dizendo que teria companhia em suas andanças.
O dia da despedida foi na semana seguinte: Menino, no
colo de mãe, era acariciado pelas mãos dos filhos que, abatidos, lastimavam a
sua partida. De repente, Menino derramou uma lágrima que escorreu pelo braço de
mãe. Ela deu floral pra ele se acalmar. O carroceiro o levou. Os filhos
choraram de pesar e mãe, firme, estava convencida de ter feito o justo.
Quando o carroceiro passou na outra semana mãe
perguntou sobre Menino e o homem disse que a galinhada foi boa. Mãe ficou
perplexa: talvez tenha errado em sua decisão, mas era certo que não podia
conviver com o canto dele. No mais, como poderia imaginar o seu destino?
Coração do outro é terra estrangeira. Mãe entregou o lixo reciclável para o
carroceiro e fechou o portão. Nunca contaria aos filhos sobre Menino. Menino
desajeitado, canto descompassado e comprido que fazia recordar vó. Menino doce, Menino triste, Menino morto. Ôh esse Menino.
*imagem: O Galo, Marc Chagall.
*imagem: O Galo, Marc Chagall.
Nenhum comentário:
Postar um comentário