sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Antônio e Diana


Nunca gostou do pai. Mas é indelicado dizê-lo visto que mora com ele há exatos quarenta anos. Antônio é o filho mais velho, o que restou na casa cujas paredes carcomidas denunciam o passar do tempo. As manchas estão também na sua alma. A mãe morreu quando a caçula nasceu e ficaram os três: pai, ele e Diana. A irmã vive no exterior desde muito jovem e raramente manda notícias. Foi pai quem a mandou pra longe para calar o amor que começava a gritar entre os dois irmãos. Diana e Antônio se apaixonaram ainda crianças. A ausência do pai, sempre metido em botecos, foi refúgio e consolo compartilhado em abraços e carícias pueris. Na adolescência seus pares românticos eram meras reproduções um do outro: nos gestos, na cor dos olhos, na forma dos cabelos, no tom da voz. Antônio chegou a namorar uma menina chamada Diana só para poder pronunciar seu nome sem sentir culpa. Mas as comportas da represa se abriram e tudo foi inundado. As árvores tombaram com suas raízes entrelaçadas. A borboleta foi arrastada pelo vendaval e o pássaro se descobriu sem asas no meio do voo. Afogou-se. Pai virou seu maior inimigo: mandou Diana pra longe. Antônio nunca mais achou seu lugar no mundo. Trocou o trabalho de continuo na firma pelo vício, tal como o pai, não saia dos botecos e vivia caído pelas eiras e beiras a chorar pela irmã. Sem emprego, sem amigos, sem mãe e só com a memória de um amor, Antônio se atirou do viaduto Santa Ifigênia. Tinha quarenta anos e nunca gostou do pai.

*Imagem: O abraço, Egon Schiele, 1917.

3 comentários:

Drika Nery disse...

Gostei desse também! E hoje tô muito 'intertextual', esse aqui me levou pra um conto do Marçal Aquino.

Anahí Borges disse...

Oba, Drika Nery gostando dos meus textos, que honra <3

Drika Nery disse...

Ui! <3