Nunca gostou do pai. Mas é indelicado dizê-lo visto
que mora com ele há exatos quarenta anos. Antônio é o filho mais velho, o que
restou na casa cujas paredes carcomidas denunciam o passar do tempo. As manchas
estão também na sua alma. A mãe morreu quando a caçula nasceu e ficaram os
três: pai, ele e Diana. A irmã vive no exterior desde muito jovem e raramente
manda notícias. Foi pai quem a mandou pra longe para calar o amor que começava
a gritar entre os dois irmãos. Diana e Antônio se apaixonaram ainda crianças. A
ausência do pai, sempre metido em botecos, foi refúgio e consolo compartilhado
em abraços e carícias pueris. Na adolescência seus pares românticos eram meras
reproduções um do outro: nos gestos, na
cor dos olhos, na forma dos cabelos, no tom da voz. Antônio chegou a namorar
uma menina chamada Diana só para poder pronunciar seu nome sem sentir culpa.
Mas as comportas da represa se abriram e tudo foi inundado. As árvores tombaram
com suas raízes entrelaçadas. A borboleta foi arrastada pelo vendaval e o
pássaro se descobriu sem asas no meio do voo. Afogou-se. Pai virou seu maior
inimigo: mandou Diana pra longe. Antônio nunca mais achou seu lugar no mundo.
Trocou o trabalho de continuo na firma pelo vício, tal como o pai, não saia dos
botecos e vivia caído pelas eiras e beiras a chorar pela irmã. Sem emprego, sem
amigos, sem mãe e só com a memória de um amor, Antônio se atirou do viaduto Santa Ifigênia. Tinha quarenta anos e nunca gostou do pai.
*Imagem: O abraço, Egon Schiele, 1917.
3 comentários:
Gostei desse também! E hoje tô muito 'intertextual', esse aqui me levou pra um conto do Marçal Aquino.
Oba, Drika Nery gostando dos meus textos, que honra <3
Ui! <3
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