quarta-feira, 12 de março de 2008

Arroz, Feijão e Doces Bárbaros!


Acredito que um papel fundamental do forasteiro em terra estrangeira é aquele de portar a sua própria cultura a esta sociedade. Apresentá-la. Desesteriotipá-la. Estimá-la. Encorajá-la. Repensá-la a partir dos contrastes culturais e históricos que convive diariamente na experiência imigrante, e depois, enriquecendo-se, também a enriquece, porque lhe pode acrescentar, quando retorna à sua Nação, seus conhecimentos adquiridos no exterior. Foi com este sentimento que cheguei a Roma, portando comigo 20 DVDs brasileiros, além de músicas, temperos, feijão, boldo, partituras de chorinho para piano e idéias. O portar a cultura deveria ser o além do natural (a pessoa em si já é a expressão da sua cultura original), e alcançar o patamar de consciência da responsabilidade em ser o microcosmo de um país, um representante de sua terra-mãe.

Há quem rejeite sua origem, se envergonhe dela, não se identifique, ou que não sente necessidade de portá-la, ou melhor, pronunciá-la durante sua experiência no exterior. Legítimo, por que não? Cada um sabe onde o calo aperta. Mas como o meu sapato é folgado e eu não tenho calos, assumi o papel de ragazza-embaixadora-por-
vocação-e-paixão da cultura brasileira. Gosto de falar do meu país, de aniquilar nossos estereótipos, de exibir filmes nacionais, comentá-los, indicar nomes de escritores brasileiros que admiro, de colocar CDs brasileiros para tocar, enfim, não à toa meus amigos que não conheciam nada, ou quase nada de Brasil, me pedem para gravar CDs de músicas para eles, DVDs brasileiros, querem conversar sobre o cinema nacional, sobre “Tropa de Elite” que ganhou Berlim, acessam sites que indico, me dizem que leram no jornal que está tendo uma epidemia de febre amarela em São Paulo, perguntam o que eu acho de Chávez e da América Latina, compram traduções de Clarice Lispector, me perguntam como se diz determinada expressão em português, e um colega apareceu dia desses com um manual de português pedindo para eu ensiná-lo o “brasiliano”.

Quando tem amor, verdade e liberdade eu fico feliz.

Na última quarta-feira realizei um jantar brasileiro em casa. Na véspera não consegui dormir direito, tamanha era a ansiedade, o sentimento de responsabilidade: seria a primeira vez que meus amigos comeriam uma comida brasileira. E se eles não gostarem? E se der dor de barriga neles? Ai meu Deus, meu Brasil! Mas a quarta-feira amanheceu com sol. Depois da aula vim pra casa e cozinhei para 10 pessoas: feijão preto com bacon, arroz com alecrim, salada e frango cozido com batatas - colorau, açafrão, coentro e pimenta do reino. Fazia tempo que não sentia o perfume da comida brasileira. Que alegria. Na sala, Clara Nunes sambava! Na cozinha eu dançava com as panelas, tudo era diversão. Esperemos agora para ver o que meus colegas dirão.

Nove horas da noite. Começaram a chegar. Cervejinha, salaminho, azeitonas e provolone abriam alas ao apetite. E a bossa-nova rolando solta no saloto. Bate-Papo. Depois cheguei com as panelas. Perfume. Hummmm. Açafrão, coentro, feijão. Mangiare!!! Silêncio. Todos comiam com tanto prazer que nos primeiros minutos não podiam sequer falar. Cartola sambava na sala, sozinho. Os elogios foram surgindo: “Madonna! Che saporito!”, “Voglio andare in Brasile!”, “Mamma Mia, buonissimo!”. E aos poucos voltaram a falar, conversar, mas sempre resgatando o motivo do encontro: “Che bel mangiare! Grazie!”, “Madonna, com’é diverso, che buono!”, diziam, repetiam o verbo e o prato, interrompiam o discurso de alguém. Eu, àquela altura, estava nas nuvens, satisfeita, tranqüila, contente que haviam gostado da comida brasileira. E evidentemente, estava feliz por mim, de comer eu mesma a comida do meu país, depois de dois meses e meio de pasta, pasta e mais pasta.

Exibi trechos do show dos Doces Bárbaros (realizado em ocasião da comemoração de 25 anos do primeiro show do grupo) e de Ney Matogrosso (um show enérgico, com repertórios de Rita Lee, Cazuza, Pedro Luís, etc). Tenho um projetor em casa e os exibi grandes, na parede, o som alto. A exceção de Caetano Veloso que é muito conhecido por aqui, e um pouco a Gal Costa, dos demais não se sabia a existência, ou então, já se tinha ouvido falar muito pouco. Resultado: delìrio. Sucesso – de público e de crítica! Ney Matogrosso com toda a sua sensualidade transgressiva e colorada; Os Doces Bárbaros com todo o mito de Caetano, Gil, Gal e Bethânia, as cores, os afoxés, os afetos. Parênteses: não significa que me esqueci que Caetano é amiguinho do Fernando Henrique Boca de Pudim! Anzi, fiz questão de sublinhar, para a surpresa da galera, a opção polìtica do baiano. Fecha parênteses. De todas as músicas-cenas, a que mais marcou a serata foi a lendária “Esotérico”, interpretada por Bethânia e Gal entre olhares ambíguos, enquanto Gil toca o violão e Caetano se debruça em seu ombro, num gesto de doce afetividade. O clímax. Aplausos. Alto-astral coinvolgente!

A noite prosseguiu com bate-papo. Jorge Ben dançava na sala e desta vez alguns italianos tentavam acompanhá-lo em seu swing. O jantar acabou tarde, quatro e meia da madrugada. E no dia seguinte, ninguém foi à aula da manhã. À tarde, o professor perguntou a razão das ausências matinais. E nada hesitantes meus colegas responderam: culpa da brasiliana professore! Do frango, do feijão e dos Doces Bárbaros!

“Com amor no coração, preparamos a invasão. Cheios de felicidade, entramos na cidade amada...” (“Os mais doces bárbaros”, Caetano Veloso).

Um comentário:

Anônimo disse...

Anahí querida!

Acabo de ver seu blog e me deu uma saudade... a narração sobre o jantar barsileiro me trouxe uma alegria de ler e sentir tudo isso! De ver que você está bem, cheia de amigos e arrasando no italiano...

(quase me emocionei com a lembrança da música dos doces bárbaros... como eu gosto dela! os gringos têm mesmo é que ficar embasbacados!)

Beijo grande, vou continuar acompanhando por aqui.

bia camargo