quinta-feira, 23 de junho de 2016

Manhã Cinzenta


Ela era só uma mulher inconstante. Mas para alguns era loucura. Ana Cláudia gostava de apanhar da vida. Pelo sim, pelo não, o gostar virou vício e quando menos esperava lá estava ela raptada por Hades, percorrendo o labirinto sombrio da própria existência. Alguns diziam que era coisa da pomba-gira que emergia nebulosa: deveria fazer despacho para sossegar; outros falavam que era genética: a mãe, hoje com Alzheimer, passou a metade da vida internada em clínicas psiquiátricas com depressão psicótica - nunca suportou a pressão do ser e a doença veio como solução para que não se ocupasse mais de si. Ana Cláudia continuou. Carregava no olhar o mistério de quem conhecia as entrelinhas do viver, sem, contudo, saber pontuar as frases que construía de sua persona. Ana Cláudia. Era só uma mulher insolúvel. Morreu hoje de manhã, atirando-se contra um ônibus, no meio da avenida.

* imagem: Crouching Woman with Green Kerchief, Egon Schiele, 1914. 

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