sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A ùltima dos Taviani



"A Casa das Cotovias" (Le Masserie delle Allodole, 2007)

Paolo e Vittorio Taviani são fortemente ligados a causas sociais, à representação da arbitrariedade e poder de um indivíduo sobre outro, a eventos históricos que ilustram a crueldade a que pode chegar o ser humano frente aos seus desejos avarentos e individualistas. Os irmãos Taviani têm sua obra fortemente atrelada ao conceito de cinema político e com “A Casa das Cotovias” esses realizadores demonstraram que não perderam de vista o cinema que busca a liberdade do sujeito, mas infelizmente perderam, certamente, a mão que fazia os clássicos e premiados dramas sociais.

O belo “A Noite de São Lourenço”, filme realizado pela dupla em 1982, conta uma história situada na segunda guerra mundial quando os ocupadores nazistas pretendem massacrar a população do vilarejo de San Miniato, na Toscana. Diante dessa ameaça alguns moradores fogem do povoado em busca de sobrevivência e liberdade. O filme é uma narrativa épica que inicia com a narradora contando a história ao seu filho: a obra consiste em um único flashback. A história segue o ponto de vista da personagem que narra, entretanto, não se centra em protagonistas específicos, mas na pluralidade de trajetórias e conflitos dramáticos, fazendo com que o espectador se identifique e se emocione com os destinos de todos eles. Os personagens não existem em escala de importância, e ainda que vivenciem pequenos dramas individuais, o que está em foco é o rumo da comunidade, todos estão envolvidos em um projeto coletivo de libertação e justiça. Como proposta de retratação de um evento histórico, “A Noite de São Lourenço” consegue conjugar esses elementos épicos de forma primorosa e construir a trajetória coletiva do grupo social atingido pela violência da guerra.

Em “A Casa das Cotovias” o tom épico enunciado pelo conteúdo entra em contradição com o enunciado formal do filme, e a tragédia social do massacre dos armênios cometido pelos turcos durante a Primeira Guerra Mundial ganha dimensões privadas em que o ato individual heróico é louvado e o ato coletivo, negado. Formalmente a obra opta por individualizar processos históricos, além de inserir freqüentemente o sentimento do amor romântico e trágico: um filme em que a personagem má do capitão do exército turco/ partido da juventude turca é a responsável pela retaliação contra os armênios; é um filme em que “Romeu e Julieta” são atualizados na figura de uma dama armênia e um soldado turco; um filme em que a figura da heroína martirizada está na matriarca Sra. Avakian a quem todos procuram para pedir ajuda e sobre a qual a história é centrada (nela e na sua família); um filme em que em razão de uma personagem dedo-duro, o mendigo Nazim, o exército encontra os armênios escondidos na Casa das Cotovias. O mesmo Nazim, motivado pela culpa, posteriormente mobiliza forças para salvar as mulheres da família Avakian do acampamento turco; um filme que consegue criar uma história de amor no campo de concentração entre um soldado turco, Youssouf, e a prisioneira armênica Nunik. Youssouf, inclusive, após executar a ordem de matar Nunik, no final do filme é o herói que denuncia ao tribunal turco, durante o julgamento do massacre armênio, as atrocidades cometidas pelos soldados; “A Casa das Cotovias” aborda um evento histórico importante do qual ainda perduram as marcas na Turquia (os armênios constantemente exigem do Governo Turco o prosseguimento nos julgamentos pelo crime do massacre, há anos interrompido), mas sobre a ótica da personalização e banalização: na interpretação exageradamente dramática dos atores, no uso repetitivo da música grandiloqüente, na criação de situações dramáticas individuais, na valorização da vontade pessoal e do heroísmo do sujeito.

Diferentemente de “A Noite de São Lourenço”, em que a épica existe na forma e no conteúdo, “A Casa das Cotovias” é um equívoco, uma épica abortada e transformada em drama burguês. É uma pena que o projeto de cinema político dos Taviani tenha resultados como este, em que a intenção pelo engajamento social e pela liberdade coletiva são, na verdade, as cascas de um discurso individualista e burguês, no qual o ato heróico do indivíduo é favorecido em detrimento de uma perspectiva libertária do ato coletivo, próprio da épica.

Curiosidade: esta semana tive a oportunidade de conhecer os Taviani pessoalmente em um evento realizado no Centro Sperimentale. Muito gentis, sorridentes, brincalhòes, verdadeiros vovôs. Na ocasiào, perguntei-lhes sobre esta contradiçào de forma e conteùdo presente no seu ùltimo filme e, para a minha surpresa, responderam que nào haviam pensado sobre isso. Receberam minha pergunta com humildade e curiosidade, como se eu estivesse dizendo uma novidade. Entào eu que me pergunto: como è possivel que cineastas de tamanho porte cheguem ao final da carreira realizando filmes de maneira assim inconsequente (ou se poderia dizer instintiva???)?. Nào à toa "A casa das cotovias" nào foi bem recebido nem pelo pùblico, nem pela crìtica. Ecco, lasciamo perdere...

Um comentário:

Anônimo disse...

Ops! Perdoa vai... Uma escorregadela a putanesca na terceira idade não desmerece o belo vinho que acompanhou a refeição.
Difícil a vida, né? Uns perdem os dentes... outros a mão.
Grande Beijo, Drika.

Ps: Nossa! Só agora reparei nos ãos... Perdoa essa tb!