segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
A social democracia na hora do pranzo
Meu sangue baiano falou alto enquanto preparava minhas malas para vir à Itália. Trouxe comigo alguns temperos que usamos bastante no Brasil: cominho, curry, pimenta do reino, coentro, colorau e açafrão. Além disso, trouxe também feijão preto e castanha de caju. Tudo com o intuito de apresentar um pouco da nossa comida por aqui, e claro, garantir que a teria por perto caso a saudade apertasse.
Certa vez viajei pra Salvador com minha mãe. Na volta pra São Paulo, uma experiência inesquecível: ela trouxe no avião feijão fradinho, tapioca, farinha, cocada, biju e até acarajé frito .Para provocá-la eu dizia no avião: “Ôh mainha, cadê a tapioca? O biju num vai quebrá lá em cima não hein? E a farinha, o saco num rasga?”. Pois foi dela que herdei o sangue baiano.
Ontem resolvi preparar uma macarronada com berinjela e molho de tomate. Simples, a princípio, se não fossem os temperos. Um pouco de curry, coentro e pimenta do reino fizeram a diferença para a italianada em casa. Simplesmente adoraram, para a minha surpresa. E gostaram tanto que fiquei encarregada de preparar a mesma macarronada no próximo sábado: um jantar de aniversário de um amigo com 30 convidados! Mamma Mia!
No quesito comida os italianos geralmente são metódicos. Segue-se o ritual do primeiro prato (uma massa, por exemplo), depois o segundo (uma carne), o contorno (salada) e depois a sobremesa, sendo que vez ou outra a refeição pode vir inaugurada por um antepasto - berinjelas, queijos e pão. A hora de almoço dura aproximadamente 3 horas: diariamente o comércio fecha as portas às 13h e reabre às 16h – a tradição familiar ainda fala alto e as pessoas voltam para suas casas para almoçar em família. Neste contexto todo, iniciativas de restaurantes que oferecem pratos exóticos, culinárias indianas, japonesas, tailandesas não funcionam. Os únicos que conseguiram espaço foram os chineses, e os pratos que mais saem nestes restaurantes são aqueles que contém macarrão ou risoto, ou seja, que não se distanciam muito do paladar italiano. E mesmo assim a clientela divide o cardápio ao seu bel prazer e pede como antepasto um bolinho primavera, o primeiro prato é quase sempre um yakisoba,o segundo, frango ao molho agridoce, uma saladinha como contorno e frutas de sobremesa.
É como se o mercado culinário por aqui fosse norteado pela idéia de abertura lenta e gradual. Piano, piano o investidor estrangeiro modifica os sabores dos pratos até conseguir mudar os hábitos dos residentes. Na verdade, costuma ser assim em países com tradições históricas bem marcadas. Aspas: li na Folha de São Paulo há alguns meses que uma empresa italiana de café, a qual não me lembro o nome agora, está investindo no mercado indiano que justamente não tem a tradição do café, e sim, do chá. O projeto da empresa é a médio prazo mudar os hábitos alimentares indianos. O café está sendo inserido no país ainda associado ao leite para tirar um pouco de seu amargor até que daqui a alguns anos possa ser comercializado normalmente. A empresa acredita que em 40, 50 anos a Índia será uma grande consumidora de café. Fechar aspas.
O mercado culinário italiano, entretanto, permanece resistente às tentativas de grandes transformações. Evidentemente existem os hambúrgueres da vida e os kebabs árabes, mas a tradição da massa e da hierarquia dos pratos ainda tem força. Aos poucos e lentamente as coisas mudam: um shoyuzinho daqui, um coentrozinho de lá, um açafrãozinho acolá e piano, piano a culinária imigrante consegue sair da exclusão. A minha macarronada é um exemplo de inserção dentro dessa estrutura de poder rígida não é? Uma típica inserção de centro-sinistra, pelas bordas e através de reformas, mah va bene...
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