terça-feira, 8 de janeiro de 2008

O céu de Suely


Hoje me emocionei com minha brasilidade. A busca por algo que reverbere em nós e que possa nos espelhar a nossa própria identidade faz parte do momento de adaptação à cultura estrangeira. Essa adequação é sempre um desafio, ainda que , no meu caso, de fato reconheça a existência de grandes semelhanças culturais entre Brasil e Itália (isto fundamentalmente devido à imigração italiana no Brasil. Só em São Paulo hoje existem 5 milhões de italianos e descendentes). Herdamos deles desde a culinária até os movimentos sindicalistas do operariado em meados do séc. XX. E aqui na Itália diz-se que quem descobriu a América não foi Cristóvão Colombo, mas Américo Vespúcio, um navegador italiano que chegou ao Brasil enquanto Colombo estava nas Índias. E por isso o nome de América ao Novo Continente. Havia lido algo semelhante em enciclopédias brasileiras mas que pontuavam que este tal Américo estava na mesma frota de Colombo, ou seja, descobriram a América juntos. Mas enfim, os brancos que se entendam. Eu agora vou falar de Brasil.

Trouxe comigo 20 DVD’s de filmes brasileiros: um verdadeiro contrabando de clássicos e contemporâneos. Fiz isso motivada pelo fato de que por aqui só se conhece, dentro do cinema da Retomada, “Central do Brasil” e “Cidade de Deus”. Então cheguei a Roma armada do que para mim o cinema nacional tem de mais belo, instigante e original, disposta a ir à luta e apresentar o nosso cinema à terra antiga de tantas vanguardas.

Gláuber Rocha, Sganzerla, Arnaldo Jabor, Domingos de Oliveira, Person, para representarem alguns de nossos combatentes da velha guarda, e Beto Brant, Karim Aïnouz, Marcelo Gomes, Lais Bodansky, Cao Hamburger, Luiz Fernando de Carvalho (com “Lavoura Arcaica”) entre outros para exemplificar através de excelentes novos artistas um quadro de produção bastante plural.

O que se sabe do Brasil e de Brasil por aqui? Muito pouco, o de sempre, o estereótipo cultural do samba, do futebol e da novela “A Escrava Isaura”. Ponto final. Na noite de domingo exibi a um grupo de amigos cinéfilos “Madame Satã”, primeiro longa-metragem de Karim Aïnouz. Um filme belíssimo, interpretado com primazia por Lázaro Ramos, sobre a vida desse lendário personagem da boemia carioca, na Lapa dos anos 30. A responsabilidade era imensa: eu precisava escolher dentre os 20 filmes aquele que mostraria primeiro, como se dissesse – “Caros, apresento-lhes o cinema do meu país! Boa sessão!”. E a insegurança de eu ter feito a escolha errada? Deles não gostarem do filme? O problema já começou na legenda: os italianos só assistem a filmes dublados (plausível sob a ótica da defesa da identidade nacional e até porque a dublagem na Itália é fenomenal) ou então com legenda em italiano. Mesmo sabendo outras línguas como inglês, espanhol, francês, eles não gostam muito de legendas estrangeiras. Enfim, optou-se por inglês. Assistindo ao filme me constrangi em diversas cenas, me emocionei em outras, a fotografia sombria, a sensualidade dos corpos, a violência feita de exclusão, a beleza dos contrastes e do movimento instável da câmera, o tom vermelho e o ritmo do samba, borrões imagéticos e a extraordinária verdade que Lázaro Ramos imprime a sua personagem foram alguns dos elementos que me possibilitaram enxergar, de fato e de fora, o cinema nacional com toda a sua cor, calor, contraste, voluptuosidade e brutalidade. Após a sessão silêncio total. “Mah, che bellissimo questo film, Mamma Mia!”, “E guardi, questo attore è magnifico!”. Ufa! Pensei. Que bom que gostaram e que a experiência serviu, antes de tudo, para lhes revelar um país.

Um tempo depois alguém me perguntou se eu sentia falta do Brasil. Respondi que sim, que sentia uma saudade um pouco abstrata, ainda anônima.

Hoje testei o DVD do filme “O Céu de Suely”, também de Karim Aïnouz, para exibi-lo num próximo encontro. Um filme que para mim sempre foi esplêndido por sua nostalgia, beleza plástica, minimalismo nos gestos, tom contemplativo e respiros dramáticos, mas que agora simplesmente passei a gostar mais, e mais, e mais. Incrível, só a cartela do menu contendo a música tema e a cena em que Hermila procura o brinco na estrada e em seguida sobe na moto de João já foi suficiente para me emocionar. Tanto, e tão profundamente que consegui nomear a minha saudade do Brasil: misto de melancolia, reconhecimento e orgulho da minha brasilidade.

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