segunda-feira, 26 de maio de 2008

Brasileiro sim Sinhô!

Sexta-feira acalorada, o verão disfarçado de primavera. Estávamos em seis amigos tomando uma cerveja na tradicional cervejaria de Roma: Peroni. Estávamos animados conversando sobre cinema e os filmes italianos indicados este ano à Palma de Ouro em Cannes. Em determinado momento escutei o som do português. Ao meu lado, um senhor de uns 65 anos pedia à minha amiga a toalha de papel que cobria a nossa mesa porque nela estava estampada a história daquele lugar, com fotos e tudo o mais. “io quero esto papel! Quero fare um quadro com ele!”. Eu me virei imediatamente para olhá-lo no rosto. “Posso signorina, pegare esta toalha come lembrança?”... Aquele som do português... há algum tempo não o ouvia assim, pela rua, por acaso. Eu olhava aquele rosto e aquele som... demorei a compreendê-lo, a acreditar nele. Edward Said que analisa em seu ensaio “reflexões sobre o exílio” a emoção e o estranhamento característicos quando dois estrangeiros de uma mesma nacionalidade se encontram no exterior (depois de algum tempo de “exílio”).

Abre parênteses: no primeiro de maio italiano houve um show para os trabalhadores organizado pelos sindicatos nacionais. Eu não estava muito a fim de ir porque não queria nem assistir aos artistas da televisão subindo ao palco para fazer discurso proletário nem escutar a típica música enlatada destinada a tais eventos representativos da política do pão e circo (como a festa da Força Sindical em SP, por exemplo). Mas em determinado momento, mesmo sem ter conferido a programação, decidi dar um pulo na festa para ver, afinal, como era. Chegando à Piazza San Giovanni senti ecoando uma voz conhecida cantando samba-rock. Em Roma? Não, não, estou delirando. Isso se chama saudade... Pensei. Dois dias antes havia acontecido em São Paulo a Virada Cultural em que Jorge Benjor, meu ídolo-amado, havia feito um show inesquecível, super alto-astral, que soube porque li nos jornais. Como eu queria ter estado na Virada Cultural. E neste show! Enquanto eu me aproximava do palco montado na Piazza San Giovanni aquele samba-rock ficava cada vez mais alto, e contraditoriamente, mais incompreensível para mim. Até que no telão vi projetado em close-up o rosto do meu herói com aqueles óculos escuros redondos, seu charme! Cantava moro, num país tropical... “Meu Deus, mas esse cover é mesmo fantástico”, pensei. “Mas será possível que seja ele mesmo?”. “Mas esses óculos escuros, é a sua cara!”. “Essa voz...Meus Deus! É mesmo o Jorge Benjor!!!!” .... E então pulei, dancei, me acabei no chão daquela praça romana.

Fecha parênteses. Assim como demorei a acreditar naquele brasileiro que cantava na festa do primeiro de maio, demorei a entender o senhor ao meu lado que pedia a toalha à minha amiga. “Mi scusi signore, ma da dove viene?” perguntei-lhe, porque poderia ser que viesse de Portugal, quem sabe. “Do Brasil”, me respondeu! “Eu também sou brasileira!”, disse-lhe entusiasmada e então tudo virou festa! Ele estava de saída, a esposa parada na porta com o casal de amigos esperava que resolvesse logo o lance da toalha de papel. Mas naquele momento o senhor havia tido uma crise histérica de alegria, queria um copo para brindar conosco, exalava brasilidade, disse que mora no bairro da Lapa, em São Paulo. Naquele momento o garçom chegou com as cervejas que havíamos solicitado há pelo menos meia hora atrás. O senhor insistiu que queria um copo para brindar conosco. “Mah, siete brasiliani?”, perguntou-nos o garçom cabo-verdiano. “Sim, sim, somos!”, respondemos-lhe. “Ecco! Sono brasiliani, sono brasiliani!” e de repente do meio do salão chegou um garçom italiano que fez um batuque na nossa mesa enquanto o garçom cabo-verdiano cantava um samba do Cartola, com seu sotaque português de Portugal: “Aconteceu, eu não esperava mas aconteceu, todo o bem que fiz se quiser esquecer...”. Ali, de repente, no canto da mesa do tradicional Peroni em Roma um samba acontecia, realizado por brasileiros, italianos e um cabo-verdiano. Improvisado, inusitado, excêntrico. Depois do último acorde, os garçons retomaram o serviço, o senhor se despediu alegre e partiu esquecido da toalha de papel. Na mesa, o silêncio. Todos restamos com a melancolia daquela suspensão espaço-temporal interrompida. Estávamos novamente diante de nossas cervejas para falar de cinema. Então Guido tomou a decisão: “Dopo di questo ragazzi, vi propongo un brinde al Brasile, a questa terra meravigliosa!”. E assim, brindamos.

2 comentários:

Drika Nery disse...

Deixe-me brindar com vocês nessa salada multicultural...
Garçom! Uma rodada de caipirinhas coloridas em homenagem a "questa brasiliana".
Un bacione!

Anônimo disse...

Eu também gostaria de compartilhar esse brinde. Ao samba/rock/morna/slow, multi cultural.Querida adoro ler os teus textos e quando encontro cabo-verdianos no meio, gosto mais ainda.Estava me identificando bastante com o texto, sobre a questão do exilio do Said que já tinha lido - uma oferta da tua mãe e quando entrou cabo-verdiano no meio...